Desde instaurado o estado de calamidade pública no Brasil em março por conta da pandemia do novo coronavírus, o país tem apresentado taxas de crescimento do número de casos e do número de mortes elevados a ponto de, desde fins de abril, se discutir o fato de o Brasil estar virando o novo epicentro da pandemia. De fato, já virou há cerca de duas semanas. Há de se denunciar aqui também o retumbante silêncio ou abafamento que a grande mídia tem feito sobre o crescimento dos números de mortes. Pouco se tem denunciado que este fato deveria ser suficiente para que medidas de abertura fossem suspensas. É como se a crise política que gira em torno ao governo de Bolsonaro fosse a coisas mais importante do momento e o governo não tivesse que endereçar à crise sanitária. Bolsonaro logrou acirrar a politização do momento que vivemos por meio de uma série de medidas irresponsáveis que jogam contra a vida e contra a democracia.
O Brasil já começara 2020 em crise. O Produto Interno Bruto crescera somente 1,1% em 2019, a situação política, reflexo da agonia da Nova República, era instável e em termos socioeconômicos a segregação social se mostrava cada vez mais patente. A irresponsável administração do governo, mais preocupado em encontrar maneiras de se manter no poder num momento de queda de sua base de apoio nos setores médios da sociedade, fez com que desde março o governo apostasse em um discurso de salvamento da economia, que ocultava a intensificação das reformas neoliberais, e resultou em um desastre em termos de vidas. Hoje, começo de Junho, começam a se anunciar várias formas de flexibilização e abertura das cidades do país, em um momento de pleno crescimento dos números de casos, apesar de em ritmo menos acelerado. Faremos uma qualificação destes dados para afirmar o seguinte: no Brasil, não houve efetivo distanciamento social e retomar as atividades agora representará um agravamento do número de mortes e infectados no país.
Conforme o monumental esforço de compilação do professor Gilberto Calil, da Unioeste-PR, nas semanas entre os dias 22 de Maio e 05 de Junho, o avanço dos casos no Brasil representou um total de 646 mil casos de mortes registrados causados pela Covid-19, o que representou um aumento, nestas 2 semanas, de 66%. Em 22 de Maio eram 21.048 casos de mortes registrados enquanto em 05 de Junho o número foi de 35.047. A média de testes por milhão de habitantes foi de inexpressivos 4.643. Neste mesmo período, o conjunto do mundo registrou uma variação percentual positiva de 17%, com um número absoluto de 6.839.847 casos de morte registrados.
Dentre os países europeus que já foram epicentro da pandemia, como Itália e Espanha, o registro sinaliza um aumento de 4% e 2% respectivamente no número de mortes registradas causadas pela Covid-19 em ambos os países, porém com números absolutos de casos muito menores que o brasileiro, 234.531 para o caso italiano e 288.058 para o caso espanhol. Além desta expressiva diferença, Itália e Espanha apresentam respectivamente a média de 68.046 e 86.920 testes por milhão de habitantes, um número consideravelmente maior que o brasileiro, conforme o quadro abaixo.
Os números totais de morte por Covid-19 neste países são muito menores e a média de testes muito maior, o que os autoriza, como é o caso também de Alemanha, Holanda, Bélgica, França na Europa, a discussão responsável acerca da flexibilização do isolamento social. Tal questão se apresenta de modo mais delicado em países como os EUA, Reino Unido, Canadá e Irã, países que apresentaram taxas maiores de crescimento que os europeus citados nas 2 últimas semanas e têm elevado número total de mortes, embora tenham uma média de casos por milhão bem maior que a brasileira; mais grave é o caso de Rússia, Índia e México, os países que no atual momento apresentam, junto com o Brasil, os dados mais preocupantes entre os 15 países selecionados. O professor Calil aponta que a China logrou sair deste quadro por ter uma política eficaz de combate, enquanto o Peru, país de população cerca de 7 vezes menor que a brasileira, apresenta uma variação de casos expressiva no período 59% e entrou neste conjunto selecionado de países. Vale destacar que o Peru tem uma média de testes por milhão de habitantes cerca de 7 vezes maior que o Brasil, mesmo com sua população muito menor. Vale destacar também dos 5 países que “lideram” estes desastrosos números são países, excetuando a Rússia, são países subdesenvolvidos.
O que mais preocupa no Brasil é a sabida subnotificação de casos, que desinflam os registros e causam uma falsa sensação de que podemos voltar à normalidade – é com base nessa subnotificação que cidades começam a tomar medidas de relaxamento do isolamento. Muitas mortes têm sido registradas como “síndrome respiratória aguda grave” em vez de morte causada pela Covid-19, conforme alerta o professor. Além disso, várias destas mortes estão acontecendo em casa e nos asilos, não sendo registradas nos dados oficiais como causadas por Covid-19. Além disso, como destaca o professor Calil, no Brasil pessoas que já estavam doentes por outras razões e que se contaminaram em seguida com Covid-19, têm tido suas mortes registradas pela doença anterior, são os casos de comorbidade.

O que estes dados evidenciam no caso brasileiro é que o governo optou por uma política econômica que causa a hecatombe a partir de um diagnóstico de economia política genocida. A crise brasileira faz parte da crise estrutural do capital, portanto, sua manifestação sanitária é só uma de suas dimensões e, no momento, é a dimensão que exponencia as dimensões econômicas, sociais e políticas da crise que já vivíamos no país.
Retrato disso são os números divulgados semana passada pelo Ministério da Economia a partir do Cadastro Geral de Emprego e Desemprego (CAGED) – série histórica que havia tido sua publicização interrompida em Janeiro e que voltou a ser divulgada. Segundo esta fonte, só no mês de Abril, 860.503 empregos formais foram destruídos no Brasil, cifra que representa o pior resultado para este mês em 29 anos. No acumulado destes primeiros quatro meses, o resultado foi também o pior resultado desde 2010.
Figura 2 – Saldo mensal de empregos formais – Jan-Abr (2019 e 2020)

Figura 3 – Saldo de empregos formais acumulados de janeiro a abril, 2010 a 2020

O próprio presidente da República admitiu na reunião com seus ministros, que teve divulgação permitida pelo STF, que haveria um número elevado de empregos destruídos pela crise exponenciada pela chegada da pandemia. A política do governo que preza por um negacionismo científico e acaba por ignorar as recomendações de forte distanciamento social, fazem com que se possa afirmar que o governo Bolsonaro se assemelha em muito ao posicionamento que Trump teve nos EUA. Mas, sem o risco de afirmar que Bolsonaro é semelhante a Trump em qualidade e poder, basta citar que o governo brasileiro não conta com os mesmos recursos para enfrentar a crise econômica e mesma capacidade de obter equipamentos de proteção individual, respiradores e tampouco tem capacidade de promover um ação massiva de testagem da população que é o que tem possibilitado países como os EUA e alguns países europeus a pensarem seriamente a reabertura. Neste sentido que afirmamos que a política econômica de Bolsonaro causará uma hecatombe nas próximas semanas e representa seu diagnóstico de economia política de genocídio.
(*) Professor do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Pesquisador do Laboratório de Estudos Marxistas.