O acontecimento aqui analisado será a pandemia da Covid-19 na América Latina, mais especificamente na América do Sul, e suas consequências. Os números da doença no continente latino americano até 30 de maio são de 950 mil pessoas infectadas, 87% na América do Sul, e mais de 50 mil óbitos, segundo a OMS. O Brasil é o país da região que tem maior registro de casos, 500 mil, e maior número de mortes, mais de 29 mil. O cenário da América Latina é muito complexo e desafiador para combater a Covid-19, a região possui 53% de trabalhadores informais e 8,1% de desempregados segundo a Organização Internacional do Trabalho . A própria organização estima que o desemprego deve subir para 11,5% e somando um total de 38 milhões de trabalhadores e que a contração econômica cairá -5,3% em 2020, segundo a CEPAL.

O que chama a atenção nesse momento é que a América Latina teve tempo hábil para observar as medidas que deram certo/errado durante a proliferação da Covid-19 na Ásia e Europa. Entretanto, seus presidentes, em sua grande maioria, insistiram em não adotar medidas severas de isolamento social logo no início da pandemia, caso de Brasil, Peru e Equador. Dessa forma esses países enfrentam uma situação caótica nos sistemas saúde; já outros, como a Argentina e Uruguai, obtiveram êxito até o momento no controle de casos devido ao isolamento severo. Tais diferenças na abordagem da pandemia fizeram com que os trabalhadores desamparados se comportassem de maneira igualmente diferentes, como é o caso do salto de popularidade de Alberto Fernandes, na Argentina, e do declínio de Jair Bolsonaro, no Brasil.
Analisando a relação de forças entre os atores de Brasil e Argentina podemos observar que o apoio popular de Bolsonaro caiu bastante, é apenas de 27%. A aprovação atual do presidente só é maior do que a de Collor no mesmo período desde a redemocratização. O recém eleito Fernandes vê sua aprovação subir para 79%, assim como o apoio às medidas de prevenção da covid-19 adotadas pelo seu governo. O governo argentino tratou de fornecer garantias econômicas imediatas a micro e pequenas empresas, pessoas de baixa renda, aposentados e grupos de risco, como por exemplo: suspender o corte de energia, gás, internet e telefonia por falta de pagamento, preços de aluguéis foram congelados, proibiu as demissões por 60 dias, dentre outras. Diferentemente da postura do Brasil de ajudar mais rapidamente o mercado financeiro e bancos, com a injeção de 1,2 trilhão de reais nesse setor, para ajudar na renegociação de dívidas de grandes empresas, enquanto o pagamento do auxílio emergencial de 600 reais aos trabalhadores que mais necessitam demora a ser entregue, estudo do Estadão mostra que o número de benefícios pode chegar a 75 milhões de brasileiros somando 45 bilhões de reais, e a ajuda a micro e pequenas empresas não sai do papel.

É necessário lembrar que a América Latina foi uma região em que o neoliberalismo foi adotado amplamente desde a década de 1990 em seus mais diversos âmbitos, seja através de privatizações de empresas públicas, flexibilização das relações trabalhistas e tudo que se refere ao Estado mínimo. Apesar do “giro à esquerda” na América do Sul, quando em 2008 apenas 2 países da região eram governados pela direita, a grande maioria dos partidos de esquerda no poder não realizaram reformas estruturais tais como eram necessárias e ajudaram em boa parte a difundir a lógica neoliberal. Após pouco mais de 10 anos do “giro à esquerda” podemos notar um “giro à direita” no qual o cenário foi invertido, apenas 2 países da região são governados pela esquerda atualmente. Nesse contexto, a implementação de reformas neoliberais foi colocada ainda mais em curso nos países, como: flexibilização das leis trabalhistas, reforma da previdência, reforma tributária, entre outros.
Entretanto, o momento singular que vivemos demanda atuação ativa do Estado para que a perda de vidas e econômica sejam as menores possíveis. Economistas comparam essa pandemia a épocas de guerra, no qual o endividamento do Estado é necessário. Podemos lembrar da crise de 1929 e o aumento de gastos do governo americano e também do pós-segunda guerra e o plano Marshall. Tais práticas não condizem com a ideologia dos governos de direita sul-americanos, mas estão sendo adotadas em países europeus, asiáticos e nos EUA.
Dessa forma, caso os governos locais não tratarem de aumentar as seguridades sociais, políticas de transferência de renda ampla, políticas de apoio à micro e pequenas empresas, reformas estruturais progressivas e maior investimento público, o pós pandemia na América Latina se mostrará um cenário caótico de milhões de pessoas ingressando na pobreza, convulsões populares, maior taxa de criminalidade e baixíssimo crescimento econômico. A pandemia de covid-19 na América Latina será apenas mais um sintoma da doença do neoliberalismo presente na região.
(*) graduando em Ciências Econômicas no Instituto de Economia UFRJ