A economia brasileira nos últimos anos vive um momento de reorganização, após um período crescimento econômico (2003-2013), no qual houve redução das desigualdades sociais, através de políticas de combate à pobreza, com forte ênfase à inserção da classe trabalhadora nos mercados de consumo (incluindo por meio de processos de endividamento), processo que trouxe mudanças conjunturais e não tão estruturais à situação da classe trabalhadora.
Os números do crescimento da atividade econômica são bastante preocupantes desde 2014, tivemos recessão nos últimos momentos do governo Dilma, crescimento pífio no governo Temer (o crescimento do PIB foi de 1% em 2017 e de 1,3% em 2018) e ainda pior no primeiro ano do governo Bolsonaro, o chamado PIBinho de 1,1%. Temos ampliação da taxa de desemprego desde 2014. No início de 2020, antes mesmo da pandemia e seus efeitos sobre os dados econômicos, tínhamos cerca de 12,85 milhões de desempregados, com altíssimo número de trabalhadores em condições de precarização ou subemprego, e os dados do desemprego em ritmo de crescimento no início de 2020.
O cenário econômico pré-pandemia já era temerário para a classe trabalhadora. E a agenda econômica neoliberal do governo tendia a agravar ainda mais este cenário. As reformas neoliberais implementadas nos últimos anos, como a reforma trabalhista ainda durante o governo Temer e a reforma da previdência, ano passado, 2019, já no governo Bolsonaro vieram acompanhadas de discursos que apontavam como elas seriam capazes de salvar nossa economia, promovendo a recuperação do emprego e a dinamização da atividade econômica, e ambas foram completamente ineficazes neste sentido. Poderíamos ser ainda mais categóricos, afirmando, que estas reformas contribuíram para o temerário cenário econômico brasileiro no início de 2020, afinal, políticas econômicas austeras tendem a gerar ainda maior contração econômica e que os objetivos referentes à expansão do emprego eram mais retóricos que efetivos.
Neste cenário de economia debilitada, com alta vulnerabilidade das condições de vida da população, a pandemia chega como elemento que se soma e agrava às condições de econômicas da classe trabalhadora. O Brasil possui historicamente um dos maiores perfis de desigualdade social do mundo, com cerca de 12,85 milhões de desempregados (dado do IBGE de antes da quarentena), com aproximadamente 150 mil pessoas em situação de rua (dado do IPEA), com 33 milhões de brasileiros sem lugar para morar (segundo dados do Programa das Nações Unidas para Assentamentos Humanos), 54 milhões de brasileiros recebendo em média 928 reais mensais (dado do IBGE), 50 milhões de pessoas que não estão protegidas por um contrato de trabalho, e com grande uma outra parcela de trabalhadores formais em condições de trabalho precárias, visto que o movimento das “reformas” nos últimos anos foi no sentido de ampliação da vulnerabilidade dos trabalhadores, mesmo os formais, com a flexibilização dos direitos trabalhistas e, assim, deixando a classe trabalhadora ainda mais vulnerável às crises econômicas – a vulnerabilidade de parte significativa da classe trabalhadora brasileira fica ainda mais explicitada neste contexto da pandemia, em que os cuidados de proteção ao contágio envolvem questões tão fundamentais das condições de vida, como acesso à moradia e a direitos de proteção trabalhistas que permitam que os trabalhadores possam “ficar em casa”. Neste contexto de ampla informalidade e precarização do trabalho, uma das principais medidas de proteção da classe trabalhadora foi a implementação de uma renda mínima emergencial, o chamado auxílio emergencial, no montante de R$600 pagos por 3 meses para trabalhadores informais que tivessem seu cadastro aprovado, mulheres chefes de família tem direto à R$1200 mensais.
Segundo dados da Dataprev, mais de 96,5 milhões (número de cadastros processados) de brasileiros pediram auxílio emergencial. O valor do auxílio foi resultado de luta no parlamento para ampliação da proposta inicial do governo, que havia sido inicialmente de R$200. Ainda que tenha aumentado no congresso significativamente com relação ao valor inicial proposto pelo governo, este valor ainda é pouco perante às necessidades de subsistência da população.
Desde o início da implementação deste auxílio, tivemos problemas em sua execução. O presidente demorou a sancionar o PL (873/2020) que legisla sobre seu pagamento, a população tem enfrentado problemas na realização do cadastro e na aprovação dos pedidos, além das amplas filas para o pagamento nas agências da Caixa Econômica ao redor do país. O enfrentamento à crise econômica e pandêmica é limitado não somente pelo perfil políticoideológico do governo mas também por um cenário de desmonte do Estado e da infra-estrutura pública que já vem de décadas de implementação de políticas neoliberais e de austeridade no Brasil, que culminaram na Emenda Constitucional 95, a chamada emenda do Teto de Gastos de 2015 – o que gera questões para o enfrentamento da atual crise não só por reduzir as possibilidades de utilização de instrumentos de política econômica para recuperação econômica no contexto da crise, como também pelo contexto de desmonte do aparato de seguridade social pública, cortes de recursos do SUS, fundamental, em um cenário de crise pandêmica.
As medidas sugeridas como resposta à situação econômica a partir da pandemia foram no sentido de ameaças sobre o trabalho, tanto formal quanto informal, tanto sobre o emprego em si, quanto sobre salários: as propostas das Medida Provisória nº 927 de 22 de março de 2020, da Medida Provisória nº 928 de 23 de março de 2020 e da Medida Provisória nº 936 de 02 de abril de 2020, que institui o “Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda” têm como mote a ampliação da desregulamentação dos direitos trabalhistas, permitindo redução de jornada de trabalho e salarial de 25%, 50% ou 70% (proporcionalmente à redução da jornada) e de benefícios, e permitindo a antecipação de férias e feriados para o período da quarentena, a MP936 também possibilita a suspensão do contrato de trabalho sem remuneração salarial por período de até 60 dias.
Além do congelamento dos salários dos servidores públicos até final de 2021, vinculado ao auxílio financeiro a estados e municípios para combater os efeitos da Pandemia pelos Projetos de Lei Complementar (PLPs) 149/2019 e 39/2020 aprovados pelo senado na primeira semana de maio de 2020. Para ver maiores desdobramentos destas medidas, ver o texto de Maria Malta e Jaime Leon “Lá vem o Brasil descendo a ladeira: são os trabalhadores que pagarão pela pandemia”. Um outro elemento econômico importante para pensarmos a qualidade de vida da classe trabalhadora é a questão cambial, o cenário de desvalorização cambial do real frente ao dólar que ocorre desde 2019, pode levar à compressão da capacidade de consumo dos trabalhadores, já que impacta no preço de vários bens de consumo, tais como os derivados de trigo, medicamentos, entre outros. A atuação do governo em proteger os setores financeiros no contexto da pandemia não foi nada vacilante, o Banco Central do Brasil (BCB) atua continuamente no mercado de câmbio e juros, para dar suporte à especulação financeira.
Além disso, como uma das medidas de combate à crise ligada à pandemia, o BCB está autorizado a atuar de diversas maneiras a proteger o setor financeiro. Com o que até agora foi oficialmente anunciado, o governo já garantiu mais de R$ 1,216 trilhão ao mercado financeiro. A chamada PEC do “Orçamento de Guerra”, Proposta de Emenda Constitucional 10/2020 de 03 de abril de 2020 que, dentre outras medidas, dá poderes virtualmente ilimitados para o BCB comprar ativos públicos e privados em mercados locais e internacionais. Ações que revelam o real perfil de atuação dos grupos ultraliberais no poder, uma defesa de Estado mínimo para o trabalho, máximo para o capital. A tendência é que os próximos momentos sejam bastante duros para a economia brasileira, em especial, para a classe trabalhadora, com piora das condições de vida e de trabalho, com agravamento da recessão econômica, dados os processos de perdas de direitos trabalhistas e ampliação da vulnerabilidade, em um cenário de redução da atividade econômica.
Aproveitando uma das muitas indigestas frases daquele que atualmente ocupa a cadeira da presidência da república, essa “gripezinha” que acomete a economia brasileira, que de gripe não tem nada, muito menos “zinha”, tende a ser devastadora, neste já fragilizado sistema econômico.

(*) Professora do Departamento de Ciências Econômicas e Exatas (DCEEX) do Instituto Três Rios (ITR) da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ). Pesquisadora do Laboratório de Estudos Marxistas (LEMA/IE- UFRJ) e do Coletivo Marxista da Rural (MAR – UFRRJ).