Clovis Moura – 20 anos

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A liberdade é uma luta constante

Angela Davis

Clóvis Steiger de Assis Moura (1925-2003) foi um historiador, poeta, jornalista, sociólogo marxista e militante comunista. Sua origem social é de uma família de classe média, exercendo seu pai a profissão de fiscal de renda, o que lhe possibilitou ter acesso à educação formal e a, inclusive, ingressar no ensino superior, algo incomum no contexto brasileiro da época e da realidade do nordeste brasileiro. Sua mãe era branca e neta de um latifundiário, senhor de escravos e barão do Império Prussiano, Ferdinand von Steiger-Münssingen. Seu pai, porém, era negro (de cor da pele mais clara), filho de uma escravizada, Carlota. Clóvis Moura, por sua vez, era também negro, de tez mais clara.

Em sua caminhada intelectual, teve sempre a marca registrada de interpretar o Brasil a partir da perspectiva do negro brasileiro, de maneira a demonstrar “a dinâmica das relações raciais como um elemento central na estruturação da sociedade de classes brasileira”, como assegura o professor Dennis de Oliveira. Isto porque o autor percebia a importância econômica e ideopolítica dos negros e negras no processo de colonização nacional, localizado por ele como parte da expansão mundial do capitalismo europeu. Moura era um conhecedor nato das obras marxianas e se utilizou disso para sua gigantesca empreitada de interpretar o Brasil de forma diametralmente oposta às elaborações de pensadores como Gilberto Freyre e Oliveira Vianna, que contribuíram ideologicamente tanto para com o mito da democracia racial no caso do primeiro, quanto para uma cultura política autoritária no caso do último. Com isso, Moura buscou historicizar e interpretar o negro enquanto sujeito ativo da implementação e desmanche do que ele chamava de modo de produção escravista, ao notar que a contradição fundamental dessa sociedade era entre senhores de escravos e escravizados, dada a necessidade ininterrupta de produzir mercadorias. Com isso, Moura inseriu-se de modo sólido na controvérsia com a historiografia da escravidão que situava o negro como passivo e/ou degenerado. Sempre preocupado com uma teoria que se conformasse numa verdadeira sociologia da práxis, que superasse uma “nação inconclusa”, foi crítico do “pensamento social subordinado”, seja ele situado como uma imparcialidade científica (inexistente) ou expresso por uma ideologia racista racionalizada.

Será na Bahia que Clóvis Moura terá maior contato com o marxismo, a partir de seu ingresso nas fileiras do Partido Comunista Brasileiro (PCB), em 1945, um ano após iniciar carreira jornalística num jornal diário da organização. Alguns anos depois, em São Paulo, integraria a Frente Cultural do PCB, que reunia intelectuais como Caio Prado Junior. Em 1962, integra o grupo que rompe com o PCB e funda o Partido Comunista do Brasil. A partir das décadas de 1970 e 1980, Moura estreitará seus laços com organizações do movimento negro, como o MNU e a UNEGRO, onde será agradecido como importante intelectual negro. Em 1975, foi decisivo na fundação do Instituto Brasileiro de Estudos Africanistas (IBEA), no qual exerceria a presidência.

Moura, ao contrário do que se possa pensar em um primeiro lugar, teve sua vida intelectual construída fora da academia – e sempre na direção de construir uma sociologia da práxis negra, em detrimento de uma práxis escolástica-acadêmica. Trabalhou sempre como jornalista, profissão com a qual conciliou com sua atividade de pesquisador, a militância política e a participação em diversos seminários e congressos. É na década de 1980, a partir do recebimento do título de Doutor Notório Saber da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (USP), que Moura se integrará mais entre os círculos acadêmicos paulistanos, inclusive participando como examinador de bancas de mestrado e doutorado na USP e na Universidade Estadual de Campinas. Isso, é claro, sem nunca perder sua veia marxista voltada para a interpretação e mudança do real: algo que Moura permaneceu articulando criticamente até sua morte, em São Paulo, em dezembro de 2003.

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