Violência nas escolas em tempos de virtualidade, por Maria Malta(*)

Criador: Jeremy

Este texto é resultado de uma experiência compartilhada por um conjunto de docentes, técnicos e estudantes da UFRJ e de professores de escolas públicas de 4 municípios do Estado de Rio de Janeiro, no Projeto de Extensão Ser diferente Ser igual, coordenado pela Professora Carla Dias da Escola de Belas Artes da UFRJ. O projeto tinha o objetivo de construir, de forma conjunta com a comunidade escolar, estratégias de sensibilização à diferença, acolhimento e combate ao bullying nas escolas envolvidas. Destaco como companheiros de experiência, além da professora Carla, a estudante de mestrado e poeta Lúcia Helena Ramos, a TAE e pedagoga Márcia Braz e o TAE e sociólogo Murilo Mota. Ao mesmo tempo, este trabalho expressa a vivência de uma professora e mãe que acompanha o ensino remoto que tem se praticado na quarentena e as formas de relação sociais entre jovens em redes sociais.

Penso ser necessário partir da ideia de que as práticas de discriminação violenta geram, pelo menos, dois resultados terríveis. Pode-se afirmar que o primeiro deles é um conjunto de vítimas silenciadas por uma comunidade acovardada pelo medo da violência. Já o outro aspecto da questão é a formação de opressores premiados por seus atos de agressão, que aprendem haver ganhos em ser uma pessoa terrível. Nos dois casos, essas personagens estão sendo formadas nos bancos da escola brasileira, mesmo que neste momento ele esteja nas diferentes casas, e interromper este processo é um enorme desafio a ser enfrentado.

Convém ressaltar, de início, que o ambiente escolar brasileiro é cada vez menos convidativo. Essa situação é derivada do fato de o ensino no país vir sendo desvalorizado e sucateado com cortes de verbas e de políticas de apoio ao docente e ao estudante, tanto em nível acadêmico como em termos sociais. Em condições de pandemia isto ainda ficou mais grave pois passou a ser transferido a cada família e para cada trabalhador a garantia de condições adequadas de equipamento, conexão e ergonomia para a execução das atividades escolares.

 A comunidade já se sente violentada por um Estado que a abandona na escola com estrutura mal preservada, professores mal pagos e soluções heterônomas aos problemas mais comuns. Podemos apontar, como exemplo disso, a política em escolas estaduais de substituir os inspetores escolares por policiais militares no acompanhamento da entrada e saída dos estudantes e durante o recreio. A própria “opção” pela virtualidade no ensino é outro exemplo deste tipo de medida. A comunidade escolar sabe que vive realidades muito diferentes em suas casas e que para muitos deles estudar/trabalhar em casa é próximo à tortura, especialmente pela exposição social de sua intimidade. Este quadro faz com que vítimas de bullying se sintam cada vez menos acolhidas para apresentar suas questões no espaço escolar. O medo passa a ser o sentimento reinante e as câmeras e a distância reforçam este ambiente.

 É necessário pontuar, também, que um espaço de pouca democracia em meio a uma sociedade violenta acaba sendo permissivo aos agressores. Redes sociais são assim e a escola virtual tende a carregar estar características para dentro de seu ambiente. É nesse sentido que as práticas públicas de humilhação parecem servir de adorno no lugar em que falar dos sentimentos é coisa de fracos ou delatores. Por isso, os carrascos do respeito e da solidariedade aparecem como os “reis” do pedaço. Em um cenário como esse cai como uma luva a frase de Shakespeare que soa como uma antevisão do presente: “O inferno está vazio. Todos os demônios estão aqui.”

Diante desse quadro, torna-se urgente, que o sistema educacional, em todos os seus níveis federativos, organize políticas de combate ao bullying nas escolas, em articulação com os estudantes e os profissionais que nelas trabalham. Não é suficiente, no entanto, que as políticas sejam focalizadas naquela questão, pois o diagnóstico sobre o ambiente escolar nos leva a crer que é necessário que as direções lutem pela garantia dos repasses constitucionais para o desenvolvimento de programas efetivos de valorização escolar, que não sejam projetos ou editais de fomentos, mas política pública, construída pela base. Neste sentido, conclui-se que a autonomia de construção do projeto educacional socialmente referenciado por cada escola e sua comunidade é a saída para um local de aprendizado livre de violência sendo necessário se pensar que por trás dos bites e das câmeras desligadas do ensino a distância podem haver oprimidos e agressores.

(*) Professora do Instituto de Economia da UFRJ e Coordenadora do LEMA

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