Muito pequeno para falir, por Pedro Brandão(*)

E lá vamos nós para o quarto mês convivendo com a pandemia do coronavírus, convivendo ou não com a quarentena, esperando de maneira agoniante pela resposta rápida da ciência por um resultado positivo de uma vacina ou medicamento para essa doença que continua empilhando corpos como nunca antes visto em nossa história. No Brasil, em especial, parece que prefeitos, governadores e o presidente se acostumaram com a média diária de mortes superior a mil pessoas durante os últimos 30 dias e fizeram um pacto para a retomada da economia brasileira com a reabertura do comércio.

Mas por que tanta pressa? Não se pode perder uma venda, mas se pode perder uma vida?

Foto Exclusiva: Tribuna de Jundiaí

Vale lembrar que outros países já reabriram seus comércios, em sua grande maioria com êxito e sem elevação do número de novos casos da doença. Entretanto, países europeus e asiáticos que tiveram sucesso nessa retomada só a fizeram quando o número de novos casos e mortes estavam em declínio e o número de leitos hospitalares era capaz de suprir uma ocasional segunda onda de contágio.

Outro ponto importante de ressaltar é na questão do apoio ao micro e pequeno empresário dado por essas nações. O acesso ao crédito rápido e a juros baixos, renegociação de dívidas, redução salarial dos trabalhadores, com os governos complementando integralmente o salário, fazendo com que o trabalhador não perdesse renda nesse momento, e até a doação de dinheiro por parte do governo às empresas. Ou seja, tudo o que você não ouviu por aqui no noticiário sobre a ajuda do governo às empresas nessa época de pandemia, certo? Errado.

O Estado surpreendentemente, como o noticiário diz, injetou liquidez na economia, 1,2 trilhão de reais (cerca de 16,7% do PIB), uma quantia nunca antes vista. Só para comparar, na crise de 2008 o governo injetou 3,5% do PIB na época.

Mas o que é “injetar liquidez” na economia? É, justamente, o governo federal comprando títulos dos bancos privados ou/e diminuindo a taxa do depósito compulsório para que esses bancos tenham a segurança financeira de tomar mais riscos nesse momento, ou seja, poderão emprestar dinheiro para pessoas e empresas que passam por um aperto nessa pandemia e precisam de um empréstimo para sobreviver. Essa é uma ótima forma do Estado atuar para ajudar o próprio mercado a se reestruturar em momentos de incerteza e crise. Ao menos na teoria.

Na prática, a história é diferente. Em 2008, na última grande crise do capitalismo, o Banco Central Americano atuou utilizando esse mesmo mecanismo para salvar a economia, comprando títulos de bancos privados esperando que em troca os bancos reduzissem taxas de juros, contrapartidas e burocracia para aumentar o volume de crédito às empresas e famílias. A espera continua até hoje. Outros bancos centrais ao redor do mundo, incluindo o brasileiro, fizeram o mesmo e a mesma atitude foi observada pelos bancos privados. Qual o resultado disso? Muitas micro e pequenas empresas fecharam as portas e, com isso, muitas pessoas viram o seu sonho de prosperar com o próprio negócio acabar e muitos empregos formais foram perdidos. Trágico, não? Não para todos. As grandes empresas obtiveram acesso aos incentivos do Estado e conseguiram se manter na crise, melhor que isso, observaram um cenário sem tantos competidores e puderam então concentrar ainda mais os mercados e aumentar seus lucros durante os anos posteriores. Como disse o ministro de maior importância do governo Bolsonaro, Paulo Guedes: Nós vamos ganhar dinheiro usando recursos públicos pra salvar grandes companhias. Agora, nós vamos perder dinheiro salvando empresas pequenininhas.

Voltando a nossa atual realidade, podemos observar as mesmas tendências se repetindo e, com isso, segundo a Fecomércio 4 entre 10 empresas já fecharam as portas desde o início da pandemia. Os bancos privados brasileiros, apesar de terem diminuído a taxa de juros cobrada, continuam dificultando o acesso ao crédito tanto para a população quanto para empresas, com contrapartidas e juros que não são compatíveis com a atual conjuntura, e dessa forma falham no seu principal objetivo. Ou será que esse não é o objetivo?

É importante notar o protagonismo dos bancos públicos nessa conjuntura, diminuindo substancialmente os juros e participando de programas governamentais específicos no apoio ao micro e pequeno empreendedor. Somente bancos públicos se disponibilizaram a participar do Programa de Capital de Giro para Preservação de Empresas (CGPE).

No Brasil, as micros e pequenas empresas representam 99,1% dos negócios registrados e são responsáveis por 60% da massa de trabalhadores com carteira assinada no país. Entretanto, a maioria dos registros estão na categoria de MEI, que ganham em média menos de 7 mil reais por mês. Não seria mais justo e economicamente melhor que a ajuda federal tivesse o objetivo de ajudar tais empresas que suportam boa parte dos empregos formais? Por que não dar crédito ao mercadinho do bairro, à lojinha de roupas, ao bar da esquina, às cooperativas de pequenos agricultores ou à família que abriu uma lojinha de vender doces devido ao desemprego?

Hoje percebemos que, na verdade, a maior parte das micro e pequenas empresas são trabalhadores que ,ao se deparar com a realidade do desemprego brasileiro desde 2015 se viu obrigado a “empreender”. O empreendedorismo aqui é questão de sobrevivência, começa no vazio da geladeira e não no desejo.

Podemos observar que no cenário do capitalismo existe uma disputa entre o micro/pequeno empresário e o grande, a disputa mitológica entre Davi e Golias seria considerada justa comparada a essa. Essa observação já foi mostrada há mais de 150 anos por Karl Marx, que escreveu sobre a pequena e grande burguesia e suas importâncias na manutenção do capitalismo.

A pequena burguesia, para Marx, é uma parcela da sociedade que possui alguns meios de produção, mas ainda necessita colocar o seu próprio trabalho na produção para gerar lucro, não consegue viver apenas do lucro do capital como o burguês. Com isso, em momentos de crise, os pequenos burgueses estão muito mais expostos a dificuldades econômicas e tendem a perder espaço para o grande capital. O neoliberalismo mostra, através de suas crises, para quem ele realmente foi estruturado e feito. Dessa forma, as crises acertam com muito mais gravidade os trabalhadores e pequena burguesia com a conivência do Estado, que também está à disposição do grande capital. E, segundo Marx, são nas crises que a relação entre trabalho e capital acirram.

 Logo, trabalhadores e micro/pequenos empresários precisam se unir para propor uma reestruturação social que dê valor a quem realmente move a sociedade e para exigir uma mudança de postura das ações governamentais durante esse momento. E talvez, dessa forma, mudar aquela famosa máxima do mercado financeiro: muito grande para falir.


(*) Graduando em Ciências Econômicas da UFRJ

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