
É ridículo ter de lembrar a um número significativo de pessoas desse país que a cor da pele é um fator de vida ou de morte.
É 2020 e se faz necessário lembrar que: vidas negras importam. Ou melhor, black lives matter, slogan mais acessível a classe média branca e burguesa desse país que só finge entender quando o pedido de socorro vem em inglês. Mas, “faz a egípcia” ao grito da favela que ecoa ao lado de seu condomínio.
Seria tão mais honesto da parte dessas gentes, o total abandono à “causa negra brasileira” visto que o engajamento construído pela maioria dessas pessoas, para em suas respectivas salas-de-estar.
É o famoso ativismo de sofá que como bem sabemos, “não move as montanhas”.
Afinal, não é do interesse destas mesmas “mover montanhas”. Isso significaria derrubar a estrutura deste mundo fundamentada sobre o Colonialismo, o Capitalismo e o Patriarcado.
Isso significaria também, retirar os privilégios daqueles e daquelas que herdaram a vida em abundância à custa do direito de morrer daqueles e daquelas que foram sequestrados em terras distantes para servir de peça, isto é, pessoa-propriedade; que movimentaram, e ainda movimentam o maquinário do sistema econômico brasileiro, não a óleo mais a sangue mesmo.
É 2020, e neste mesmo ano, uma pandemia assola quase todo mundo.
Ressalto: quase todo mundo; porque, infelizmente, não estamos no mesmo barco.
Como muitos e muitas insistem, de forma incisiva, fazer-nos descer goela a baixo.
É 2020 e o vírus do Colonialismo mata mais do que o Covid-19.
E quem mais morre? Adivinha? Pessoas racializadas.
Porque, afinal, ser branco não é uma cor/raça; é um estado de graça, não é mesmo?
A estas mesmas pessoas (racializadas) não se resguardam nem mesmo o direto ao tão recomendado isolamento social: a família do João Pedro que o diga.
Isso para destacar uma das mais de 60 vítimas da política genocida desse país, somente neste período de confinamento.
No caso de João Pedro e sua família, a situação se torna ainda mais absurda. Afinal, estavam todos dentro de casa em São Gonçalo.
Para falar em números; segundo dados do Instituto de Segurança Pública do Rio de Janeiro (ISP-RJ) os “indicadores de roubos e homicídios apresentaram queda em relação ao ano anterior”, já “as mortes causadas por policiais e agentes de segurança aumentaram 43% em relação a abril de 2019.”¹
Em resumo: nem mesmo um contexto de pandemia isenta as camadas mais vulnerabilizadas da sociedade brasileira, que antes de tudo, carregam na pele um indicador.
A cor da pele vem antes da situação econômica; por mais que ainda insistam muitos dos analistas desse país, em dizer que a situação econômica; trocando em miúdos; que a pobreza inscreve a classe em que o indivíduo se encontra.
Raça vem antes de classe. Não precisamos ir longe. O Brasil é um grande exemplo disso.
Só não vê quem não quer; ou quem finge não ver.
E para isso, não são necessárias profundas análises. Olhe a sua volta: qual é a cor de quem mendiga? Basta visualizar as altas taxas de encarceramento, homicídios, suicídios, situação de miséria, distúrbios mentais, sub-representação na mídia e em universidades públicas; bem como o vazio no ensino fundamental e médio.
Ainda, falando em números; pode-se constatar que os que mais morrem também tem uma cor específica, isto é, a preta e a parda. Isso, apenas em termos de pandemia.
Segundo estudo feito com base nos dados apresentados pelo Ministério da Saúde (até 18 de Maio) realizado pela PUC-RJ, Núcleo de Operações e inteligência em Saúde (NOIS).
“Dos 8.963 pacientes negros internados, 54,8% morreram nos hospitais. Entre 9.988 brancos, a taxa de letalidade foi de 37,9%.”²

É necessário salientar que não se trata de uma “competição” de quem mais morre.
Mas, a real constatação de como o racismo, que atravessa e estrutura o cotidiano da vida dos brasileiros e das brasileiras, organiza e define através de sua Necropolítica (para lembrar Achille Mbembe) quem merece morrer e quem merece viver.
… E sabemos bem quem merece viver nesse país em que a política do ‘embranquesquecimento’ dita à toada.
Mais um exemplo disso, é o fato da pauta antirracista ter sido deixada de lado rapidamente; porque é mais cool ter a figurinha da bandeira antifacista nos stories.
No Brasil, o cachorro da patroa branca vale mais do que a vida do filho preto da empregada preta. This is América.
É 2020?

(*) Graduando em Geografia pela UFRJ
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¹ Instituto de Segurança Pública divulga dados de abril. Disponível em: http://www.isp.rj.gov.br/Noticias.asp?ident=438
² Análise socioeconômica da taxa de letalidade da COVID-19 no Brasil. Disponível: https://drive.google.com/file/d/1tSU7mV4OPnLRFMMY47JIXZgzkklvkydO/view