
No mundo, a pandemia da Covid-19 traz à tona a discussão de quais seriam as políticas nacionais dos Estados para combater o novo problema sanitário, e os remanescentes dilemas sociais e econômicos, intensificados pelo novo vírus, do mundo capitalista. Talvez, no cenário mundial, as maiores expressões sejam a deflagração de uma nova crise do petróleo, a tensão crescente entre EUA e China e a disputa presidencial nos EUA em 2020. No Brasil não é diferente. Por um lado, diante deste cenário de instabilidade, o governo dá sinais de perda de rumo, cresce a insatisfação popular e a cena político-partidária está em ebulição, fazendo Bolsonaro buscar acordões com partidos fisiologistas. Por outro lado, muitos afirmam que a esquerda no Brasil está inviabilizada de atuar enquanto sujeito político de mobilização de massas e de transformação social por não ter um programa claro de ação.
Ficam as perguntas: Quais têm sido os posicionamentos dos partidos políticos diante da pandemia? Seriam a esquerda e a direita corpos de posicionamento político homogêneos em si? Sustentamos que a esquerda se encontra com o desafio de definir um programa de ação claro para o momento. Já a direita, representada por hora no governo, se colocou a tarefa da “política tradicional” para se manter no poder.
A eleição de 2018 representou a maior renovação no Congresso Nacional desde 1990. Na Câmara, das 513 vagas, 269 eleitos estão exercendo um primeiro mandato. No Senado a mudança foi relativamente maior, das 54 vagas renovadas (de um total de 81) 46 foram ocupadas por candidatos que não tentaram a reeleição. Os partidos com as maiores bancadas respectivamente são PT, PSL e PP. O partido que mais perdeu representação foi o MDB, antigo PMDB. O que interessa destacar é que a aparente renovação democrática em 2018 trouxe o fato alarmante, para a classe trabalhadora, de que a renovação congressual foi uma forte guinada à direita na medida em que os partidos conservadores tiveram alta considerável.
Composição atual do Senado

Fonte: Elaboração própria a partir dos dados disponíveis em: https://www25.senado.leg.br/web/senadores/em-exercicio/-/e/por-partido.
Composição atual da Câmara dos Deputados

Fonte: Elaboração própria a partir dos dados disponíveis em: https://www.camara.leg.br/Internet/Deputado/bancada.asp
De forma a combater o caos social, político e econômico intensificado pela pandemia a oposição divulgou um manifesto conjunto contra as ações temerárias do presidente e a insuficiente articulação do governo para tomar medidas que enderecem os problemas mais urgentes da população. Entre os que assinaram a nota estão Ciro Gomes (PDT), Fernando Haddad (PT), Guilherme Boulos (Psol), Manuela D’ávila (PCdoB), Carlos Siqueira (PSB), Carlos Lupi (PDT) e Edmilson Costa (PCB). É a chamada Frente Ampla.
Uma questão a se pensar é que ao se unirem na frente, tais partidos deixam de lado, temporariamente, diferenças que carregam entre si a favor do impeachment de Bolsonaro. Nominalmente, partidos de que representam a classe trabalhadora acabam por fazer acordos com partidos burgueses. Entretanto, ao pedirem a saída do presidente não conseguem ir muito além disso. Seguindo as regras institucionais quem assumiria seria o General Mourão e, para isso, a Frente Ampla não tem muito a propor. Fica no ar o questionamento: ao invés de somente Bolsonaro, não deveria ser todo o projeto de seu governo afastado? Para que não haja erros de prognóstico, o “fora Bolsonaro” merece um estudo e uma qualificação profundos por parte da oposição, especialmente pelos partidos de esquerda, aqueles que representam os interesses da classe trabalhadora. As organizações de esquerda precisam ter claros para si, seu programa de ação com tática e estratégia.
No momento em que a crise de desemprego e fome é iminente, a ajuda emergencial proposta pelo Psol foi acatada pelo Congresso e, depois de longa demora, assinada pelo presidente e posta em prática pelos órgãos competentes. A crise deixa claro que apesar de o momento requerer uma tática de união entre os diferentes espectros políticos de esquerda, as diferenças de programa dos partidos estão postas.
Do lado do governo, a conjuntura é claramente desestabilizadora. Os principais expoentes de liderança do movimento de centro-direita são o presidente da Câmara dos Deputados Rodrigo Maia do DEM e o presidente do Senado Davi Alcolumbre, também do DEM. O fato de ambos serem do DEM (antigo PFL), um partido altamente conservador nascido na transição da ditadura civil-militar e que representa sua continuidade em diversos aspectos, mostra que a articulação de forças em meio à crise segue pendendo para o lado do capital. Não é de estranhar que, embora em constantes e abertos conflitos entre os presidentes das casas do congresso com o presidente da república, a agenda de reformas neoliberais, capitaneadas pelo ministro Paulo Guedes, em pouco são alteradas. Este fato remonta à nova forma de se fazer política que começou com o presidencialismo de coalizão na Nova República, fundada pela constituição de 1988 que selou pactos burgueses de dominação política e regime de acumulação de capital.
O presidencialismo de coalizão nada mais é do que a forma que os governos que vieram após o regime civil-militar encontraram para terem governabilidade, isto é, para poderem efetivar as propostas de ação governamental, dado que o poder executivo depende, em grande medida, de aprovação no congresso nacional de muitas das ações em seu alcance. Assim, para que tenha maioria nas votações no congresso, o governo estabelece acordos com os partidos e oferece cargos em posições estratégicas a fim de poder ter suas propostas aprovadas. Neste jogo de poder e dinheiro, joga papel fundamental a articulação dos partidos em torno de temáticas-chave, são as informalmente denominadas “bancadas”. Dentre elas se destacam atualmente as i) bancada da bala, ii) bancada da bíblia e iii) bancada do boi. Elas defendem, respectivamente os interesses da indústria armamentista, os interesses de grupos religiosos e os interesses do agronegócio.
Uma das manifestações da crise em sua forma política tem sido uma crise de representatividade, pois não só os cidadãos que eram contra Bolsonaro na eleição de 2018, mas também parte de seu eleitorado não se sentem mais representados pelas atitudes do governo, sem contar que Guedes já não pode garantir alta lucratividade às frações burguesas, dada a recessão global. Assim, outra manifestação desta crise política é a crise partidária, dada as disputas fratricidas dentro do poder burguês. Alguns partidos que se utilizaram da figura, em alta em 2018, de Bolsonaro para elegerem candidatos, passaram a se posicionar de maneira a romper com o presidente, caso claro de políticos como João Dória (PSDB) e Wilson Witzel (PSL).
O pedido de demissão do ex-ministro Sérgio Moro no dia 24 de abril deixa claro que a disputa é, sobretudo, institucional. De fato, desde 2016 o ataque às instituições brasileiras tem um nível de devastação sem precedentes para a economia e política brasileira, inclusive os ataques entre os poderes, Executivo contra o poder Judiciário e Legislativo, são prova disso. Moro, anteriormente um juiz federal, atuou de forma clara com os fins de impedir a candidatura do ex-presidente Lula (PT) no pelito presidencial de 2018. Ao aceitar o cargo de ministro da justiça do governo Bolsonaro, Moro mostrou sua espúria conexão com o golpismo jurídico-parlamentar, sua pretensão de alcançar um lugar no Supremo Tribunal Federal e, agora ficou mais claro, uma possível candidatura à presidência da república em 2022. A relação do Executivo com o Legislativo é mais difusa na medida em que apesar das contendas dos presidentes das duas casas não impede as negociatas do governo com os deputados e senadores e a aprovação de pontos da pauta do capital, como a aprovação da PEC 10 (que trata do orçamento de guerra).
No momento em que investigações sobre casos como o de Marielle Franco, os casos de propagação de “fake news” e de esquemas de “rachadinha” estão sendo apurados, inclusive com suspeita de envolvimento de pessoas ligadas a família Bolsonaro ou próxima dela, as conversas com o chamado centrão se mostra atraente para o presidente. A fim de prorrogar ou suspender pedidos de impedimento (no momento são cerca de 30 pedidos em análise na Câmara) e a fim de ter a chamada governabilidade, Bolsonaro se reuniu com líderes partidários nas últimas semanas para negociar cargos estratégicos (1) no governo e garantir apoio parlamentar. A “velha política” a qual Bolsonaro se dizia contra, justamente esta negociação de bastidores de favores políticos e econômicos, está sendo plenamente utilizada. Não por acaso, o presidente participou de uma “live” com Roberto Jefferson (PTB), um dos pivôs do escândalo de corrupção do “mensalão”. Dentre os partidos envolvidos nas conversas com o governo, se destacam PP (antigo partido do presidente), PL, PSD e Republicanos.
Por mais que haja uma disputa interna na classe burguesa, suas diferentes frações lutam por manter as premissas do neoliberalismo brasileiro em dia. Não por acaso, o Senado aprovou a PLP 39, sob relatoria de Davi Alcolumbre (DEM), que trata de uma “ajuda financeira” a Estados e municípios com a contrapartida perversa de congelamento dos salários do funcionalismo público e financeirização do crédito concedido a Estados e Municípios até dezembro de 2021.
Como se não fosse o bastante, desde o começo da quarentena, o presidente instaurou uma crise política federativa ao se contrapropor às recomendações de distanciamento social total da Organização Mundial de Saúde e da posição de vários governadores de estados brasileiros, como João Dória (SP-PSDB), Wilson Witzel (RJ-PSL), Eduardo Leite (RS-PSDB) Flávio Dino (MA-PC do B), Renato Casagrande (ES-PSB), Mauro Mendes (MT) entre outros. Tal caos do poder representativo e federativo é sintomático da disputa de poder interna entre as frações de classe burguesa e se reflete no campo político-partidário. Esta disputa, no campo político-partidário, claramente vem por conta das eleições municipais de 2020 e da eleição presidencial em 2022.
A luta fratricida entre a burguesia e sua instrumentalização através da velha política, representam o que Francisco de Oliveira chamou de “jeitinho brasileiro”, a falsificação dos reais problemas, o enfrentamento dos dilemas da população brasileira simbolizados pela falta de democracia substantiva, e que é transmitido pelas classes dominantes às dominadas e tem sua expressão maior na questão do trabalho informal. O jeitinho brasileiro está na política com a função de perpetuar o “jeitão” de exploração típico ao capitalismo.
(*) Pesquisador do Laboratório de Estudos Marxistas. Atualmente professor substituto da Universidade Federal de Alfenas.
(1) Dentre eles a cadeira de Marcos Pontes no ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações, o comando do Departamento Nacional de Obras contra as Secas (Dncos) e a presidência do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), o controle do Banco do Nordeste e da Secretaria Nacional de Vigilância Sanitária, uma secretaria no Ministério do Desenvolvimento Regional.